Minha Peregrinação
Gostaria de relatar um pouco da minha experiência no Caminho da Fé que realizei em Outubro de 2020, ano em que completei 50 anos de idade.
A decisão por percorrer parte do caminho da fé ocorreu em mim inesperada, como se fora um chamado, um belo dia caminhava próximo ao Parque do Ibirapuera que se encontrava fechado devido à Pandemia e andando pelo bairro de Moema adentrei à igreja de Nossa Senhora Aparecida, algo incomum para mim, pois não costumo frequentar igrejas católicas, mas naquela tarde chuvosa em São Paulo algo me tocou de maneira diferente, adentrei à igreja vazia e me dirigi à capela com a imagem de Nossa Senhora, e algo me tocou naquele momento.
Nunca havia praticado montanhismo antes, no entanto, já havia pensado anteriormente em percorrer algum caminho de peregrinos, como o Caminho de Santiago de Compostela na Espanha, porém, coincidentemente, uma parte do caminho da fé que leva romeiros até Aparecida do Norte em São Paulo me chamara muito a atenção pelo fato de que o trecho que ligava Campos do Jordão à Aparecida tinha exatos 50 KM, ou seja, percorrer esta distância no ano e mês em que completaria 50 anos de idade teria um significado especial, principalmente porque em um momento de “loucura”, decidi que faria este caminho sozinho, ainda que não soubessem os percalços que poderia encontrar em minha jornada. Neste contexto, o individualismo conferiria uma jornada única de autoconhecimento, reflexão, propósito e conexão com algo maior.
Decidi que faria a viagem no dia 01 de outubro, saindo de Campos do Jordão e seguindo para Aparecida do Norte. Dividi a jornada em dois dias, sendo o primeiro dia 30 KM de trilha nas montanhas da Mantiqueira e o segundo dia mais 20 KM que me levariam ao meu destino.
Saí de São Paulo de ônibus às 8 horas da manhã no dia 01 de outubro e cheguei a Campos do Jordão às 11:15. Um taxi levou-me até o início da trilha localizado próximo à entrada do Horto Florestal, a comecei minha caminhada às exatamente às 12:00. Apesar do sol a pino, as sombras das árvores nativas proporcionavam trechos de sombra ao meu percurso, e seguia determinado acompanhado pelo som das águas de um riacho que fluía solene à direita da trilha.
Após cerca de 4 quilômetros de percurso, fiz uma breve pausa no primeiro mirante do caminho. A vista deslumbrante das montanhas da Mantiqueira energizava minha mente e corpo para o restante da caminhada. O silêncio da mata era cortado pelo barulho do vento que movia as árvores e por gorjeios de aves. Cerca de 9 quilômetros adiante, após percorrer paisagens de matas nativas e fazendas, cheguei à pousada Santa Maria, onde finalmente tive a oportunidade de conectar-me ao wi-fi da pousada, já que em muitos trechos não há sinal de telefone. Neste percurso, encontrei somente três romeiros que estavam realizando o percurso desde o sul de Minas Gerais havia 10 dias, ou seja, nesse momento, tive uma sensação egoísta de que o caminho da estrada das Pedrinhas havia sido reservado somente para mim.
Os próximos 17 quilômetros que me levariam à pousada do “Seu Agenor”, onde passaria a noite, eram alternados entre uma trechos de vegetação nativa e outros por bucólicas fazendas, sempre acompanhado pela imponente “Pedra do Baú”, paisagens com altíssimos desfiladeiros e uma vista incrível do Vale do Paraíba. A brisa da Serra e seus mais de 1.700 metros acima do nível do mar atenuavam o sol. Por volta das 5 horas da tarde, fiz minha segunda parada “oficial” no café do “Chico Bento” já no bairro Gomeral, onde, recepcionado por um delicioso café caseiro fui informado que estava a “somente” 9 quilômetros da pousada. Os 9 quilômetros de descida até a chegada à estrada de asfalto foram mais pesados. A mochila já parecia ter aumentado de peso e os pés já davam sinais de bolhas. A noite começou a cair e a estrada, apesar de asfaltada, não tinha iluminação suficiente e aí a providência lanterna que havia levado me servia para sinalizar para motoristas que transitavam em alta velocidade por este trecho. Apesar da insegurança, já que a bateria do meu celular havia acabado, segui firme em meu caminho e tive a oportunidade de vislumbrar o aparecimento de uma belíssima lua cheia que a partir daí ajudou-me em meu caminho.
Exatamente às 7 horas cheguei à pousada do “Seu Agenor”, fui recepcionado pelo próprio Sr. Agenor, sua esposa Maria e sua filha Ellen, além de alguns romeiros que faziam o caminho a cavalo e que escolheram a famosa pousada como ponto de descanso. Fui recepcionado com a alegria e a energia de alguém da família. Tomei um banho gelado, e tive o prazer de provar da excelente comida caseira da Dona Maria. Meus pés, inchados e com bolhas, me obrigaram a caminhar descalço pela pousada.
Cerca das 9 horas fui me deitar exausto, e acordei cerca de 5 horas da manhã com o cantar do galo do “Seu Agenor”. Estava cansado e resolvi tardar-me um pouco mais para sair para meu segundo dia de caminhada. Tomei um banho, um café revigorante e saí para meu destino. Seriam mais cerca de 20 KM o que julgava ser mais tranquilo, já que não haveria mais os percalços das subidas e descidas no dia anterior, ledo engano, aí minha falta de experiência acabou pesando. Enquanto peregrinos experientes saem na madrugada para evitarem o sol, resolvi sair cerca de 8 da manhã, ainda que o sol não estivesse tão forte e o trecho não fosse tão marcado pelo relevo, as estradas entre fazendas não tinham a sombra das matas nativas do dia anterior o que tornava a caminhada mais pesada e cansativa.
O segundo dia foi mais cansativo. Apesar de mais curto o cansaço físico, agravado pelo sol a pino castigavam o meu corpo ainda mais.
Assim como no dia anterior, o caminho era marcado por momentos distintos de reflexão, de cantoria (sim cantei sozinho e espantei uns pássaros!!), alegria, choro oração e reflexão. Por vários momentos pude notar uma força que me acompanhava e me fazia seguir caminhando, apesar das bolhas nos pés, do cansaço e da solidão.
Achei que chegaria à aparecida às 12 horas, porém não foi possível, cerca de 2 e 30 depois de uma pausa para o almoço, adentei à cidade de Aparecida, onde vislumbrei a basílica. Apesar de estar cerca de 1 KM para terminar não aguentava mais o pelo da mochila e o corpo cansado. Sentei-me em uma esquina e fiquei paralisado olhando para meu destino. Ao olhar para o lado vi um romeiro que seguia solitário e me sinalizou e vi que era o momento de continuar e segui mancando, devagar, lentamente e adentrei à basílica de Aparecida exatamente às 15 horas, 7 horas depois de ter iniciado meu segundo dia de caminhada. Foram dois dias... coincidentemente 7 horas por dia. O número sete que marca minha vida de uma maneira impressionante. Parei em frente a igreja e chorei copiosamente.
Visitei a igreja e cumpri meu destino, de agradecimento, não havia condições de pedir nada, só agradecer a Deus pela oportunidade do ensinamento que recebi que pode ser análogo à nossa vida:
1- O caminho de cada ser humano é único. Algumas vezes andamos mais rápidos, outras vezes mais lentos, é preciso entender que cada um tem seu ritmo, assim como na vida, não podemos nos comparar aos outros, a evolução é coletiva, porém o aprendizado e a trilha são individuais.
2- Na vida, devemos carregar o que é essencial, uma bagagem pesada não serve de nada, só peso. Devemos desapegar do que nos pesa.
3- Nossa alimentação deve ser suficiente para nos fortalecer e nos nutrir.
4- Os problemas que enfrentamos na vida, ainda que pareçam intransponíveis, eles passam, assim como tudo.
5- O destino é único, mas na verdade o que vale na vida é nossa capacidade de olharmos para dentro de nós mesmos, aprendermos e evoluirmos.
6- Tão importante como nosso destino é a capacidade de apreciarmos a paisagem.
7- Vamos encontrar pessoas que irão nos ajudar, nos orientar, algumas estarão conosco por um período, outras seguirão e outras ficarão pelo caminho.
8- Devemos estar com pessoas que se alegrem em estarem conosco e que se alegrem pela nossa alegria.
9- Quando tivermos alguma dificuldade e acharmos que estamos sozinhos, há uma força maior que irá nos guiar e não vai nos deixar desistir.
10- Tome decisões, assuma riscos e seja o dono do seu próprio destino!
Voltando ao aspecto religioso ao que me referia no início do texto, na minha opinião, o encontro com Deus é uma jornada individual que independe de religião, em vários momentos em que quis desistir sentia que uma força maior não me deixava, em vários momentos em que tive medo me senti amparado, em vários momentos que me senti sozinho me vi guiado pelos pensamentos e ensinamentos de meus antepassados, e acompanhado por meus “guias”, meus “anjos da guarda” e pelos pensamentos daqueles que me amam. No final do dia o encontro com Deus é abrirmos nossos olhos e conectarmos nosso pensamento com essa força maior. Não temos a capacidade de entendermos o que é Deus, portanto, ele se comunica conosco através de exemplos, de analogias, de metáforas, porque ainda que não acreditemos. Se olharmos para nossa vida vamos perceber sinais de que devemos estar abertos para decifrá-los.
Os caminhos são individuais, mas a evolução é coletiva.
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